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Teles Catadióptricas

  • Foto do escritor: Leonardo Feliciano
    Leonardo Feliciano
  • 22 de out. de 2023
  • 5 min de leitura
Lentes catadióptricas existem há um bom tempo, desde pelo menos 1840 quando Alexander Wolcott as usou para seus retratos em um Daguerreótipo. Mesmo depois de József Petzval e Friedrich Voigtlander introduzirem desenhos refratores de maior qualidade, as catadióptricas continuaram com seu nicho na fotografia, tendo vários fabricantes se aventurado a lançar lentes reflex no mercado fotográfico na segunda metade do século 20. Já telescópios catóptricos (e não catadióptricos, pois eram desenhos exclusivamente refletores) datam de antes, mais especificamente 1668, quando Newton desenvolveu o primeiro telescópio não refrator de que se tem nota – até então, o paradigma era o telescópio projetado por Galileu em 1609. Desde então os desenhos evoluíram bastante, bem como a ótica como um todo, e projetos como o sistema Schmidt-Cassegrain serviram como base para as lentes “de espelho” que conhecemos hoje, misturando reflexão e refração em desenhos ótico compactos.


Apesar do tempo que estão disponíveis, inclusive no mercado fotográfico, esses desenhos óticos ainda polarizam muito as opiniões dos fotógrafos, com maior parte dos profissionais do lado que odeia e despreza o seu uso. São lentes que surgiram tentando apelar para um campo da fotografia de natureza e, de fato, é compreensível o porquê de não terem sido abraçados completamente pelos profissionais. Além do baixo contraste, do diafragma fixo e do bokeh no mínimo excêntrico, apenas a Minolta lançou uma versão com autofocos.

Em tempos em que toda uma sorte de aberrações óticas está sendo valorizada como marca estética, muitas vezes em uma tentativa de balancear uma excessiva acuidade de sistemas óticos alicerçados em câmeras de alta resolução, não custa tanto investigar o uso desses desenhos em encenações cinematográficas, e se aventurar em uma transformação de duas lentes Nikon para PL.

Essas lentes colocam algumas restrições de uso – o que sob certa luz aumenta seu apelo -, como a necessidade de uma encenação mais marcada (protocolar em um certo sentido) e o uso quase exclusivo em exteriores ou interiores muito amplos e diurnos. O resto é contornável, pela própria proposta da encenação, e por ferramentas de pós-produção

UM PARÊNTESE: A RESPOSTA ESPECTRAL

No terreno puramente ótico, uma das poucas vantagens desses desenhos em relação aos seus pares refratores é a reprodução dos diferentes comprimentos de onda. Nos desenhos de vidro, as diferentes cores refratam em diferentes ângulos - fenômeno conhecido como dispersão – dado fundamental para se entender as aberrações cromáticas. Como tentativa de correção dessas aberrações são empregados nos desenhos óticos técnicas como a dos doublets e do emprego de vidros com diferentes índices de refração. Mas ainda assim, na maioria das lentes, algum grau dessas aberrações persiste.

Com espelho a história muda. A reflexão da luz não tem como consequência sua dispersão. Isso significa que enquanto a luz estiver no caminho reflexivo, seus comprimentos de onda viajam em ângulos iguais. É bem verdade que todas as lentes catadióptricas empregam um ou outro elemento refrator no seu design – e isso que as define como catadióptricas e não catóptricas -, mas ainda assim conservam em sua grande maioria uma reprodução espectral muito superior à das lentes puramente refratoras.

Vale dizer que os dois desenhos ainda são utilizados na física contemporânea, muito em função dessa diferença na reprodução das cores. Enquanto os desenhos herdeiros do telescópio de Galileu são os mais usados para a observação e investigação astronômicas, os desenhos herdeiros de Newton são os mais empregados na Astrofísica, para os estudos espectrais dos astros.


MAGNIFICAÇÃO

Como escrevi no início do texto, essas lentes impõem várias restrições para que possam ser utilizadas com alguma expressividade (apesar de sua ótima resposta espectral). Então por quê dar essas voltas pra usar essas lentes? Bom, primeiro que os desenhos de espelho permitem que lentes de distâncias focais elevadas tenham apenas uma fração do tamanho de seus pares refratores. À exceção dos desenhos retrofocais, as lentes no geral ainda mantêm uma certa relação entre seu tamanho físico sua distância focal. Falando em super teles, uma 1000 mm refratora vai ter aproximadamente um metro de comprimento, uma 500mm, aproximadamente meio metro. Já uma 500mm telescópica tem aproximadamente 15cm de comprimento, e pesa menos de 800 gramas ...

Agora, o real motivo de se aventurar nessa transformação é, claro, estético. Tenho a impressão de que o “desvio” (em relação à visão humana) grande angular conversa com o espectador de uma maneira menos sutil - devido à perspectivação das linhas em composições não ortogonais - do que o desvio tele. A tele é mais subconsciente e com menos marcas identificáveis (Distorções de Seidel geralmente menos evidentes), uma assinatura mais velada, que passa por uma relação de achatamento da magnificação dos primeiros e segundos planos com o fundo.

Um termo essencial para se entender as possibilidades de macros (que têm no barril de foco uma escala impressa), a magnificação entra em jogo em toda reprodução fotográfica. Ela é uma relação entre a distância de foco e a distância focal do sistema. Então uma 50mm que tem o foco mínimo em 5cm têm sua magnificação máxima em 1:1. Isso quer dizer que se tirarmos uma foto de uma moeda de 2 cm de diâmetro, a sua imagem no círculo de imagem projetado pela lente (e consequentemente, sua reprodução no suporte fotossensível) terá também 2cm de diâmetro.


Nas teles as proporções de magnificação entre primeiros e segundos planos são menores, fazendo com que o tamanho aparente de objetos em segundo plano seja mais próximo ao tamanho de objetos em primeiro plano, causando essa sensação de achatamento e sufocamento. Como em sua maioria trazem menos distorções e perspectivação que angulares, essa relação se comunica de uma forma mais intuitiva com espectador.


AMERICANA


Ainda em fase de finalização, Americana (Disney/Star+) traz a história de uma escravizada levada à homônima e recém fundada cidade do interior de São Paulo para auxiliar em uma investigação. A proposta de conceito visual apresentada ao canal trouxe em um de seus pontos o uso constante de teles. Nosso jogo de Cooke S7 alcançavam a distância de 135mm, mas sentimos a necessidade de aumentá-la. Trabalhamos com a duplicação da 135mm e com uma Nikon 300mm T2.2. Mas sentíamos que podíamos ir um pouco além na ideia de sufocamento da personagem principal dentro daquela vila fundada por ex confederados fugidos dos EUA após a perda da guerra civil, que pro Brasil vieram em busca de prolongar seu ideal escravagista. Aí que entrou a transformação de uma Nikon 500mm f/8 e uma Nikon 1000mm f/11 catadióptricas.
A transformação em si não carregou muitos segredos, e foi realizada em sua maior parte em uma esfera diletante. A 500mm precisou ter parte do seu corpo traseiro desbastado em ambiente de usinagem, mas a tele mais longa “só” demandou a substituição de uma peça traseira por outra, usinada em alumínio naval e parafusada em um bocal PL, com posterior pintura eletrostática. A prototipagem pré usinagem foi feita em impressão 3D, e o desbaste final do alumínio, manual.
Pelo prazo curto, a transformação chegou num estado beta, com os bocais PL em alumínio ao invés de aço. Apesar disso, a qualidade da colimação de ambas foi surpreendente, com a distância de flange focal PL de 52mm exata. Espero em breve poder compartilhar alguns frames do uso dessas lentes.




REFERÊNCIAS:

RAY, Sidney F. "The Lens in Action"
STEINHAUS, Alexander "The Nine Colours of the Rainbow"
Photography Life (photographylife.com) "What is Magnification?"
 
 

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